O comportamento guiado pelos princípios de consciência moral

“Não faz isso senão o bicho papão vai te pegar!”, “se não fizer isso, você vai apanhar!”, “Lave as louças que eu deixo você sair!” ou seria melhor utilizar: “você gostaria que fizesse isso com você?”, “como você acha que ele se sente quando você faz isso?”, “estou cansada, todos em casa devem cooperar de alguma forma, e por isso esta será a sua responsabilidade”. Em quais bases foi fundamentada nossa consciência moral?

Como sociedade, necessitamos de ética e moral para sobrevivermos de forma organizada, mas me preocupa quando o único fator utilizado para fomentar obediência, é o medo à punição ou a barganha. O psicólogo norte-americano Lawrence Kohlberg (1984), colocou o agir pelo temor a punição ou por barganha, no primeiro estágio do desenvolvimento da moral, o que seria o grau mais baixo de moralidade.

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A meu ver, estas motivações representam uma regressão à perspectiva de moralidade dos mitos na Grécia Antiga, que foram usados para preservar a tradição, para persuadir e reforçar as leis (ABBAGNANO, 2007, p. 966), e limitavam em fomentar obediência por medo dos deuses, sem reflexão, sem empatia e sem a valorização da humanidade que há no outro.

Eram mitos que narravam punições dos deuses aos desvios de moralidade. Alguns exemplos: Narciso foi punido por seu excesso de vaidade, por apaixonar-se pela própria imagem, foi transformado em flor. Sísifo foi punido eternamente por enganar a morte ao invés de aceitar seu destino, sendo castigado a rolar uma gigante pedra eternamente. A audácia de Aracne foi punida e ela foi transformada em aranha. (HIPERCULTURA, 2021).

Platão (2002) deu um novo significado aos mitos, ao indicar uma moralidade que vai além do agir por mero temor a punição, e partindo de um mito filosófico, narra a história de Giges, que era conhecido como um exemplo de excelente e ético cidadão, até encontrar um anel que o deixou invisível e nisto encontrou a possibilidade de impunidade que o levou aos atos mais atrozes. A moralidade de Giges tornou-se questionável, porque diante da sociedade ele era um exemplo de conduta, mas quando esteve seguro de que não seria descoberto e punido, deu vazão à maldade.

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Por isso, o cerne de minha preocupação é com este discurso que contrapõe os valores éticos de humanização, quando se educa para acatar regras e não para formar princípios morais. Um exemplo clássico que vivenciei, é o silêncio nas aulas dos professores mais “bravos”, que acaba imediatamente quando este vira as costas e os alunos se gabam por ter feito coisas que ele não viu.

Tem ainda a falsa “paz” alcançada na classe, quando se colocam câmeras de vigilância: os furtos acabam e as agressões físicas diminuem, mas não porque houve a conscientização de que ninguém tem direito de interferir na liberdade do outro e no que é do outro, mas meramente pelo temor da própria vergonha e punição, o que acaba no minuto em que se está fora do alcance das câmeras. O fazer o que é proibido, sem ser visto e punido, se torna um mérito entre os alunos, e uma sociedade educada nestes moldes, não me parece formar os cidadãos solidários que o mundo precisa.

Será que podemos comemorar mudanças éticas, baseando somente nas incidências imorais que deixaram de ocorrer? Tais medidas me parecem insuficientes para educar moralmente, pois será que houve uma mudança moral baseada em respeito à alteridade ou apenas uma preocupação com o que não pode ser escondido? Diante desrespeito em sala de aula, muito se discute sobre aumentar a vigilância e a punição, mas me preocupo que isso possa apenas ocultar um caráter sem valores humanos.

Me interessa uma educação moral que proporcione um respeito e cooperação, uma consciência de que há o outro. Sempre costumo dizer para os alunos, que eu não quero que eles lavem as louças em casa por medo dos pais reterem o celular, proibirem de sair, ou porque lavando, eles vão ganhar alguma coisa. Mas que lavem as louças por entenderem que também são responsáveis por elas, porque é o mínimo que se pode fazer para dividir tarefas com a mãe cansada que já trabalhou e trouxe o alimento para casa. É não beber e dirigir, não somente porque tem medo de ser pego no teste do bafômetro, mas porque não quer assumir o risco de matar ou prejudicar alguém no trânsito. É ter uma consciência moral que vai além das leis e adentra os princípios de valorização humana.

Ainda que ensinar que toda ação tem uma consequência seja fundamental, me preocupo quando a motivação para adotar uma regra moral é somente por temer a punição ou por querer algo em troca. Penso que o educar deve levar a reflexão de preservar e valorizar todas as pessoas mesmo quando não há uma lei que direciona esta ação, deve formar uma consciência que consegue perceber quando uma lei é injusta e desumana, deve proporcionar a moralidade consciente de respeitar e colaborar uns com os outros para que sociedade seja mais parecida com uma comunidade onde se preza pela justiça social e não como uma disputa constante para ver quem se dá melhor na vida.

REFERÊNCIAS:

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução Alfredo Bossi, Ivone Castilho Benedetti, – 5ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2007.

HIPERCULTURA. Mitologia grega: os 20 principais mitos da Grécia Antiga. Acesso em 24/01/2021. Disponível em: https://www.hipercultura.com/mitologia-grega-principais-mitos-da-grecia-antiga/

KOHLBERG, Lawrence. The Psychology of Moral Development: The Nature and Validity of Moral Stages. San Francisco: HARPER & ROW, PUBLISHERS, ESSAYS ON MORAL DEVELOPMENT. VOLUME II, 1984.

PLATÃO. A República. São Paulo: Editora Scipione, 2002.

 

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